A baleia em New Bedford

Há uns dias, foi o grande dia. Sair de Providence, mas mais do que isso, chegar a New Bedford. Chovia. Muito. E eu comecei a manhã muito cedo, para me encontrar com o meu companheiro de aventura e de pesquisa, a caminhar. Muito. Não foi fácil identificar o ponto de encontro que tínhamos combinado e menos ainda continuar a caminhar por bem mais meia hora até chegar ao café. Digo, à pastelaria portuguesa de Tautun Street em East Providence. Mas valeu a pena. Muito. Depois de entrarmos na luz dourada e quente da loja, as montras cheias de pão fresco e cheias de ainda mais douradas delícias da pastelaria portuguesa, fizeram rapidamente esquecer a dor nas pernas, o cabelo molhado, o peso do casaco e as horas longas que ainda nos aguardavam. Depois de um pão quente com queijo e manteiga e de um café com leite ao estilo de Lisboa, a nossa boleia chegou e não muito depois chegámos a New Bedford.

Valeu a pena. Valeria a pena caminhar todos os caminhos do mundo para chegar a este fim da estrada, início de mar, onde o porto abria as portas para o inesperado e o (im)possível e a partir do qual todas as marés do Atlântico conduziam marinheiros e baleeiros pelos oceanos do mundo. Todos os caminhos dos últimos dez anos me encaminharam para aqui. Até ao New Bedford Whaling Museum, really no other place like it. Não serão suficientes as palavras nem as fotografias para o descrever. No museu da história da baleação de New Bedford encontramos esqueletos de grandes cetáceos, antigos, velhos, gastos, mas ainda a pingar óleo. Deparamo-nos com antigos botes baleeiros, navios baleeiros e arpões de todos os tipos. Encontramos os artefactos desta indústria antiga e longa, e também os artefactos que dela resultaram, centenas de peças de scriwmshaw decoram prateleiras e armários. Encontramos toda a arte relacionada com a baleação, as esculturas, as histórias, as telas, as aguarelas, as tradições, os objetos, as pessoas e, claro, as baleias. Estas são o elemento central de uma história dominada por homens de poder e por homens de mar. As baleias, normalmente tidas como elemento decorativo de uma história humana, são ali as protagonistas e é à sua volta que se contam todas as histórias, que se pintam todos os quadros, que se imortalizam todos os momentos. A baleia é soberana, na vida e na morte.

  

É difícil largar as histórias do museu, abandonar as salas, deixar os logbooks, esquecer as vozes que sussurram. Mas empurram-nos para a saída. É o fim desse dia que nos espera lá fora num fim de tarde um pouco mais luminoso e soalheiro do que o amanhecer.

   

À volta do museu, palmilhámos as ruas de antigamente tentando perceber na modernidade do enorme porto de pesca - o maior dos EUA - onde se encontrava o limite da linha de água de há 200 anos. É complicado perceber numa paisagem altamente modificada e alterada pela pesca e turismo. O pequeno centro histórico é isso mesmo, pequeno. Os elementos do passado vislumbram-se apenas em algumas estruturas e em alguns dos nomes que subsistem, o café da baleia, a loja de tatuagem dos baleeiros, o pub e a cerveja de Moby Dick. Espaços modernos e recentes que tentam recuperar a memória do passado de uma pequena grande vila baleeira. New Bedford, que durante grande parte do século XIX e início do XX foi o centro do mundo baleeiro, hoje é o centro de uma indústria extrativa que também do meio marinho retira o alimento para as pessoas. New Bedford, a mim, alimenta-me com os pedaços saborosos e bem temperados desta longa história comum de baleias e de homens.


  


E ainda há tanto para ver, para conhecer e para contar... Até já.


Cristina, de Providence a New Bedford
17/Maio/2018

Comentários

  1. Ao ler a tua crónica fica-se com a sensação de que a baleia domina o seu predador. Que o diga o Capitão Ahab!

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  2. Fica-se com uma vontade enorme de conhecer.
    Não fosse a viagem tão longa, não fosse a falta de tempo, não fosse o dedo em riste do Sr. Dr. dizendo que não!
    Fica-se à espera da próxima narrativa para nos adoçar a boca!

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